segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Sem ter onde cair morto..


Olhamos para eles e sentimos-nos incomodados.
Incomodados e impotentes.
Podemos aliviar a consciência com uma moeda.
Ou com comida.
Ficamos aliviados mas não curados.
Há qualquer coisa que continua a roer por dentro.

A culpa não é nossa.
Individualmente.
Se calhar nem deles.
Individualmente.

É bom que nos sintamos incomodados.
Será ainda melhor que façamos alguma coisa.
Alguma coisa significativa.
Alguma coisa que os alivie.
E também alguma coisa que evite o aparecimento
de outros como eles
(eventualmente nós próprios).


Anda um sem abrigo em tondela..

Descobri isso ontem à noite, quando ia sair de casa para o meu afilhado ao café.. Parece ser novo.. Uns 30 e tal anos.. Partiu-me o coração vê-lo no caixote do lixo à procura de comida.

Estaquei por completo a olhar para ele. Já tinha visto muitos sem-abrigos e vários pedintes. Este não pediu nada, ele passou por nós e nem nos dirigiu palavra.. Dirigiu-se ao caixote do lixo e procurou comida.

Não sei porque motivo está assim, problemas familiares, problemas financeiros, ter vendido tudo o que tinha (se é que alguma vez teve alguma coisa) em troco de droga. Sinceramente não sei, e como eu não confio muito na humanidade, não me senti à vontade para me dirigir lá e perguntar o que tinha acontecido com o homem.
Senti vontade de o levar para casa e dar-lhe comida, mas lá está a desconfiança (que não existe para com os sem-abrigos mas para com estranhos em geral), e não consegui, tanto quanto sei ele pode ser a melhor pessoa do mundo que simplesmente teve muito azar na vida, ou um psicopata assassino.
A imagem do homem a procurar comida no lixo, perseguiu-me a noite inteira. Quantas vezes não desperdiçamos comida, e dinheiro? Quantas vezes não deitamos comida fora e nos esquecemos que algures, milhões de seres humanos (homens, mulheres, crianças, bebés, idosos) morrem à fome e ao frio.

Agora após pensar um pouco nisso, lembrei-me que o governo está a dar casas a pessoas que já tem casas. Sim, eu sei que isto se deve ao facto de as casas terem poucas condições, mas não seria preferível dar casas a estes que não têm onde dormir? Que no inverno dormem à chuva?
Muito bem, os outros tem poucas condições mas continuam a ter um tecto para os abrigar da chuva, e paredes para os abrigar do vento. Não têm que dormir no chão gelado, num banco de jardim, ou dentro de caixotes de cartão.

Fiquei-me a sentir culpada.
Tenho 22 anos, e possivelmente foi a primeira vez que dei valor a tudo o que tenho (bens materiais, família e amigos posso-me orgulhar de sempre lhes ter dado o devido valor).
Lembro-me de quando fui a Lisboa à 2 anos, que evitei olhar para eles para não pensar nisso, e funcionou. Expulsei a imagem para o subconsciente e ali ficou, até ontem à noite..
E provavelmente será o que vou fazer novamente, expulsar as imagens de Lisboa, juntamente com a imagem de ontem para o subconsciente, até descobrir algo que possa fazer.

"O que os olhos não vêem,
o coração não sente.."

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